27.1.12

Estas palavras que são só nossas



"Pode sentir-se falta até de um esfregão velho. As saudades turvam o tempo e, à distância, qualquer coisa má, péssima, pode transformar-se em qualquer coisa maravilhosa, uma especialidade. É a mesma coisa, a mesma qualquer coisa, mas as saudades já a confundiram. Ela própria, lá onde estiver, não sabe que tipo de coisa é."

José Luís Peixoto, Livro

As saudades são uma palavra que só existe na língua portuguesa. Eu, aqui, falo em inglês. Como é que se diz aqui a alguém que se tem saudades? 
É impossível. Pelo menos, por essa uma única palavra. Poderia dizê-lo, explicar por linhas de letras de palavras. Mas não era como aquela simplicidade de uma coisa pequena, ao jeito do número de passos que as nossas fronteiras dão traçando as linhas dos limites da terra infinita onde nascemos. Saudades, conjunto de letras mínimo quando comparado com o que tem guardado no seu peito. 
Mas para além de tudo o que é sujeito - as pessoas, os livros, o tempo e as ondas do mar de onde um dia partiu gente em busca de sonhos - dessa saudade que vem do peito ser confundido pelos centímetros e perder a noção de o que é, a palavra em si perde noção, aqui, ao ser difícil de exprimir de modo a ser compreendida. Já mal se sente, tudo o que era qualquer coisa má ou péssima que se transformou em qualquer coisa maravilhosa, uma especialidade, fica aí, sem rumo nem quê nem para quê, jaz, parado, como coisa que mesmo anónima consegue ser fantástica. E por falta de entendimento, talvez, já não se sente saudade nem das coisas que já eram maravilhosas, nem das coisas que pela névoa montanhosa em maravilhosas se tornaram.
Consegue tornar-se bom, não se ser entendido, deixam de se sentir fados lusitanos dos que se cantariam de vestido negro. Desentendidos, desentendemo-nos connosco mesmo. Somos felizes na ignorância dos que nos rodeiam.
As saudades, de vez em quando, num minuto que se pára a olhar para o ponto de vista que se tem do céu nocturno deste lado do mundo, são só de se dizer saudades e de todos compreenderem, acreditarem-nos e, num gesto bem português de povo que diz conjuntos de letras mínimos com muito guardado no peito, responderem com um sorriso meigo, estas palavras que são só nossas, sim, saudade.






Ainda há quem questione, porque é que a Joana está a cantar aquelas músicas outra vez?
Mas logo outra voz de quem vive na mesma casa e está acostumado responde, são coisas portuguesas. 



21.1.12

Recentemente, ouvi por aqui alguém dizer uma coisa curiosa,
Podemos vir todos de sítios diferentes, pode haver pessoas que em casa comem com pauzinhos ou com talheres ou com as mãos, podem existir os que dão imensos beijinhos a cumprimentar os outros e os que simplesmente dizem qualquer coisa tocando com a mão no peito, podemos ser todos imensamente diferentes numa quantidade de aspectos que se calhar nem nós mesmos imaginamos ainda, mas a verdade é que, seja de onde for que viemos e como quer que tenhamos sido criados, todas as pessoas se riem quando estão felizes e choram quando estão tristes.

11.1.12

"Santos da casa não fazem milagres." (os indianos sim)

Em sessões nocturnas de tradução de expressões nacionais em que se descobriu que se traduzirmos "de pequenino se torce o pepino" para inglês pode ter conotações bastante constrangedoras, e que "estar a ver navios" corresponderia em norueguês a qualquer coisa como"sair para ir apanhar amoras", descobrimos também que com a chegada dos britânicos à Índia chegou uma quantidade enorme de inovações que foram então baptizadas pelo que se achou que era mais lógico em hindi. E foi assim que descobrirmos que se traduzirmos a palavra em hindi para ping-pong, significa literalmente - "Numa mesa verde tu dás bang-bang e recebes bang-bang". Não há expressões idiomáticas ou provérbios nossos ou de outra língua qualquer que vençam isso, é simplesmente demasiado evoluído para concorrer contra uma coisa dessas seja de que maneira for.

10.1.12


Há palavras que são cheias. Todas as palavras tem algo que se lhe diga, um significado, um sinónimo, uma definição escondida numa página qualquer desses tão gigantes e quase medonhos livros chamados dicionários. Mas há palavras que tem muito mais palavras que se lhe digam que as outras. As coisas, coisas gerais, que a muita gente podem berrar coisas secretamente ao ouvido seja por que razão for, por serem as coisas que são. Essas coisas são as coisas que são para quem as são por berrarem coisas secretamente ao ouvido a quem quer que berrem coisas secretamente ao ouvido.  A minha definição para essa mesma coisa que a mim nada me diz é: isto. Se calhar podia inventar, vir com conversas , falar mais dessas coisas que são esses istos. Mas, para mim, essas coisas são só esses istos. Essas coisas não me berram secretamente coisas ao ouvido. São palavras, para mim, vazias. Com o tempo, com a experiência, a vida, tudo isso se pode ir modificando, como papéis que rodam por vários actores, as palavras que são ditas e sentidas por uns e por outros. Imaginemos as palavras como balões. Os balões podem estar cheios mas quando isso acontece é de ar que eles estão cheios. As palavras enchem-se de mais palavras. O ar dentro dos balões que são palavras são as pequenas partículas que são mais palavras. Assim,  grandes, os balões cheios de vida como se se estivessem preparando para uma festa de aniversário de uma criança, ocupam muito espaço por dentro, lá no nosso sítio de guardar as palavras. A definição que temos para elas é maior, são palavras que nos berram coisas secretamente ao ouvido. Já não dizemos que a definição dessa palavra é: isto. É antes algo mais elaborado, a definição dessa palavra que dá nome a algo que equivale a um balão cheio no peito é: isto e isto porque aquilo e podem acontecer muitas coisas e variantes nisto tudo.
Há palavras daqui, deste sítio, que dizem respeito a este blog que são balões gigantescos cheios de mais balões a voar.
Chama-se: Índia. E UWC. E as definições são muito maiores que este texto poderá exprimir.
Isto era só para dizer, é bom estar de volta. Se calhar ocupei muito tempo de quem quer que leia isto só para dizer isto (apesar de ter cortado metade), ainda por cima porque em Portugal há muitas pessoas que estão sempre deveras mais ocupadas a falar de coisas extremamente relevantes, como o que aquela pessoa que está a passar na rua tem vestido, e a crise, claro. E eu estou para aqui a falar de balões. Balões? Quando se está em crise não há dinheiro para balões, que estupidez, balões. Olha, consegui estragar o fim do texto, fantástico.

Tentando melhorar isso,